Finalmente estava de férias, não aguentava mais aquela rotina esmagadora.
Antes mesmo de começar minhas férias, eu já planejava aonde iria querer ficar, pensei inicialmente em uma pequena casa de fazenda ou algum sobrado isolado da civilização. Foi então que procurei pela internet qualquer tipo de moradia para que na qual eu pudesse passar meu pequeno mês em paz e sossego. Achei um site que nunca vi antes e que igualmente nunca ouvi ninguém falar sobre, era um site de aluguel de pequenas casas, apartamentos, sobrados e até mesmo casarões mais avantajados de dois andares. O que mais me surpreendeu foi o fato de que todos os imóveis eram vendidos por preços absurdamente baixos, e, pelas fotos dos locais apresentadas no site, pareciam estar em bom estado. Após passar algum tempo no site, houve um imóvel que mais me chamou a atenção simplesmente por ser o maior e mais barato de todos, pelo incrível preço de 120 reais. Era uma enorme mansão de três andares, sendo um deles o sótão e os outros dois o primeiro e o segundo andar respectivamente. Estava irresistivelmente agradável ao olhar e, sem pensar duas vezes, cliquei em "alugar". Eu não tinha nada a perder mesmo, era um preço baixo que poderia viver facilmente sem caso algo desse errado e me fosse roubado a quantia. O pequeno botão na página, após clicado, em seguida me redirecionou para outra página que pedia meus dados de CPF, número de cartão e tudo o mais. Nada de extraordinário até aqui. O que me chamou a atenção foi quando eu finalizei a compra e fui redirecionado para outra página agradecendo a compra, me instruindo a esperar por um e-mail, porém com uma mensagem inusitada logo abaixo, que dizia: "Não nos responsabilizamos por danos físicos e/ou mentais que o senhor(a) poderá ser submetido(a), nem mesmo pelo avistamento de coisas incomuns. Compareça ao local com sua conta em risco". A princípio, achei que era uma tática para afastar seus compradores, para que assim o dono do estabelecimento não tivesse custos adicionais para limpar a casa ou reparar danos que poderiam ocorrer no local. Também permaneci cético em relação aos avisos sobre danos físicos ou mentais e ao avistamento de coisas incomuns, coisas assim não existiam em minha concepção.
Não existiam até aquele dia.
Finalmente havia recebido o e-mail com a confirmação da compra, me dando o endereço da mansão e a localização das chaves do imóvel. Confirmei a compra e neste ponto eu já estava pronto para a viagem e de malas arrumadas. Peguei meu carro usado e segui viagem depois de almoçar. Foi então que acabei chegando no endereço às seis da tarde. Foram longas cinco horas de viagens, e conforme eu ia me aproximando da mansão, mais as estradas iriam se tornando piores, cheias de buracos e se intercalando com estradas de chão. Isso foi acontecendo de certo modo que, quando estava a pouco menos de um quilômetro da mansão, podendo até mesmo ver seu terceiro andar de longe por entre as árvores, a estrada era completamente de chão, cheia de ondulações e buracos ainda cobertos de lama.
Após mais ou menos um minuto seguindo por aquela estrada difícil na velocidade mínima para evitar danificar meu carro que já era velho, avistei uma espécie de porteira logo adiante, o que me obrigou a descer do carro para abri-la. E assim foi, com um sentimento de ansiedade e insegurança, abri a porta do carro e a deixei aberta, já que iria voltar momentos depois. O farol fraco iluminava a porteira que estava mal amarrada, de forma que permitia a mesma se movimentar com uma certa liberdade, soltando um longo rangido sincronizado que quebrava aquele silêncio assustador de tempos em tempos. Tomei as correntes junto do cadeado pesado em minhas mãos e não precisei fazer muita coisa uma vez que a corrente se partiu logo após de eu a ter apanhado. Aquilo foi uma surpresa para mim, que no meu estado me rendeu um susto me deixando instantaneamente paranoico, o que não faltava muito para tal, tendo em mente o cenário em minha volta: árvores densas cobriam os arredores, não revelando nada mais que penumbra entre os vãos que compartilhavam com suas vizinhas, uma longa estrada de terra que me remetia a um corredor longo e escuro e um vento inconveniente me dando um frio na espinha e que simultaneamente fazia as árvores se mexerem, dando a sensação de haver algo por entre as vegetações. E eu não duvidava que tinha.
Ignorei a corrente, provavelmente o dono não iria notar e se notasse não ia me importar de pagar. O vento se tornou mais gélido em conjunto com o som do impacto do pesado cadeado se chocando com o chão de terra dura que estava abaixo de meus pés, o que me fez instintivamente trazer minhas duas mãos para perto do peito e esfrega-las entre si, para tentar me aquecer. Em resposta, decidi voltar logo para o carro, onde me sentiria seguro. Ao virar-me para trás, em direção ao meu carro, em um momento rápido de desespero, pensei ter avistado algo sentado no banco de passageiro do carro. Fechei meus olhos por alguns segundos e logo os abri novamente, na esperança daquilo ter sido uma alucinação, e de fato era, pelo menos foi o que eu acreditei. Efetuei uma leve corrida até o carro, querendo entrar nele logo apesar de ter visto algo estranho dentro. Aqui pelo menos estarei seguro - pensei. Tomei o volante em minhas mãos e acelerei o carro um pouco bruscamente, em um movimento involuntário recorrente das tremulações que percorriam todo meu corpo. Nunca havia sentido tanto medo em minha vida. Tenha calma - eu repetia essas palavras na minha cabeça como um martelo bate em um prego constantes vezes, na esperança de deixar a sensação de estar sendo observado.
Quando finalmente cheguei na frente da mansão, eu tive o pressentimento de que aquela estrada tinha sido mais longa do que toda a viagem. Não perdi tempo, não queria ficar mais nenhum segundo do lado de fora, na verdade, eu queria era sair daquele local o quanto antes, porém não o fiz pois não tive coragem de enfrentar aquela longa estrada novamente, ainda mais de noite. Desliguei o carro e os faróis, e puxei as gélidas travas da porta do carro, abrindo-o. Quando sai, senti uma forte tensão percorrendo minhas veias, aqueles arredores conseguiam serem ainda mais assustadores do que o longo corredor que havia acabado de enfrentar. As árvores continuavam a cercar toda a enorme mansão, que, da minha perspectiva, eu que estava apenas do lado de fora do primeiro andar, ao olhar pra cima, mal podia ver o fim da mansão. Por algum motivo, o vento começou a ficar mais intenso e gelado, tornando audível seu famigerado som fazendo com que a casa, que era feita toda de madeira, estalasse constantemente, assim como fazia as janelas baterem.
Eu sentia como se algo não quisesse que eu estivesse ali, mas por outro lado, alguém estivesse adorando. Subi as podres escadas da entrada, enquanto que, com a chave do carro na mão, apertei o botão de alarme para tranca-lo e aquele som que eu estava tão acostumado a ouvir - que tanto queria férias dele - foi a única coisa capaz de me confortar naquele momento. A vida é injusta - pensei, dando uma resposta a milhões de reflexões que vieram em minha cabeça em um único segundo. As escadas rangeram mais alto do que eu esperava, acho que até mesmo havia ouvido um dos degraus se partido, era outra coisa para pagar caso fosse verdade, infelizmente. A chave, como comunicado no e-mail, estava debaixo de um tapete sujo e empoeirado que dizia ao que parecia "bem-vindo". Duas coisas acionaram meu senso de humor naquele momento, o enorme clichê das chaves debaixo do tapete e aquele tapete amigável me dando boas-vindas àquele lugar horrível. Não quis ficar mais tempo ali, tentando me divertir com coisas ordinárias, apenas enfiei a chave na fechadura e a girei, destrancando a porta, porém quebrando uma parte da chave, deixando-a presa. Isso significou que eu deveria deixa-la destrancada durante toda minha estadia, além de ter que pagar por outras chaves, lamentável.
Deixando para trás todas as insatisfações, eu entrei na mansão. De início, ela parecia estranhamente aconchegante, com um longo tapete vermelho na entrada e uma escada à direita com uma grade que ignorei, eu não queria subir ainda. Continuei indo para frente, me guiando pela luz dançante do fogo que saia de um enorme portal de madeira que ao tudo indicava, me levaria a cozinha. Estando poucos passos de entrar na cozinha, me deparei com um corredor que ia tanto para a esquerda quanto para a direita. Esses corredores eram tão grandes quanto parecia julgando a aparência da mansão pelo lado de fora. Neles, haviam várias portas uma de frente para a outra que consumiam todo o comprimento do corredor, que, no final destes, não tinham nada, apenas uma parede. A não ser o corredor da direita, que no lugar da parede, tinha uma porta de aço, com dezenas de fechaduras e cadeados presos a ela, junto com uma várias correntes intercaladas.
Deixei de lado, e até agradeci por aquilo estar daquela forma, porque afinal, o que diabos poderia estar lá dentro? Foi então que um forte grunhido quebrou o silêncio. O que poderia ser? - pensei. Foi quando me dei conta que não havia comido nada desde o início da viagem.
Faminto, adentrei a cozinha e ela era tudo o que eu precisava naquele momento. Abri a geladeira e nela havia tantas variedades de comida que eu mal sabia o que escolher para comer. Por via das dúvidas, peguei tudo o que eu adorava. Bacons, ovos, pães de forma, presunto, queijo, requeijão e várias outras coisas, além de leite e um jarra de suco para acompanhar. Conforme fui retirando os alimentos, a casa começou a tremer-se completamente, como em um terremoto. Meu sexto sentido dizia que algo não estava gostando daquilo. Ignorei, apesar de não ter sido uma ideia sábia, mas não havia nada que eu podia fazer, afinal, minha fome era o sentido que mais prevalecia no momento.
Após pegar os alimentos, fechei a porta da geladeira, mas ela se abriu novamente quando sentei para comer. Pacientemente, levantei novamente para fechar a porta, mas quando a toquei, a mesma fechou com uma força extremamente forte, fazendo um alto estrondo por toda a casa. Curioso, tentei abri-la novamente, mas ela estava fechada com tanta força que eu consegui mover a geladeira do lugar mas não consegui abrir sua porta. Novamente senti como se algo não quisesse que eu me mexesse nos alimentos da geladeira, mas ignorei, de novo.
Quando estava terminando de me alimentar, ouvi um som muito alto do que parecia ser um relógio. Aquilo me atraiu de uma forma que nunca vi antes. Tentei me controlar, mas eu não consegui, eu tive de sair para investigar. Quando cheguei no portal de madeira, apenas por precaução, olhei para os dois lados e misteriosamente os corredores haviam dobrado de tamanho. Tudo estava estranho demais, eu mal sabia se estava acordado ou sonhando, por isso tratei aquilo como uma alucinação. O relógio continuava a me atrair e mesmo sem conhecer aquela mansão, eu comecei a andar por ela como se eu a conhecesse como a palma de minha mão.
ApacheRosa (discussão)